Volta e meia uma velha discussão ressuscita quando ouve-se que os programas de televisão com maior audiência e os livros mais lidos (os best-sellers) são puro lixo. E, como castigo pela falta de comedimento, acaba-se ouvindo desde os xingamentos mais impagáveis – o principal argumento dos sem-argumentos é xingar os que pensam diferente, nessa hora ninguém lembra da frase do Voltaire – até as velhas desculpas ouvidas e repetidas por papagaios que não tomam tempo para avaliá-las no mínimo racionalmente. Tudo faz chegar à conclusão que, por mais que se argumente a favor, os livros e programas de tevê populares vão continuar sendo lixos. Lixos cada vez piores.
Na linha da leitura, o principal argumento de defesa é que o leitor dos mais vendidos, com o tempo, vai evoluir para leituras mais densas e essenciais. Confesso que até cheguei a defender esta idéia no passado, mas a abandonei quando constatei que na prática não é bem assim. São pouquíssimos (não conheço nenhum) os leitores de Bruna Surfistinha que evoluíram para Nietzsche. Ou leitoras de Crepúsculo para Orgulho e Preconceito. Os fãs de Paulo Coelho, livros de auto-ajuda e best-sellers, além de não evoluírem, viverão em um eterno conto de fadas no qual o suprassumo das letras é o escritor que gostam de ler e atacarão como fanáticos religiosos os que ousarem falar contra. Quem estes hereges pensam que são! Claro que lerão outras coisas sim, mas a propensão será procurarem autores similares aos seus favoritos, e nunca um Machado de Assis, um Érico Veríssimo, um Shakespeare chegarão aos pés da banalidade e superficialidade exigidas cada vez mais como requisitos essenciais para agradar as massas.
Alguns perguntam retoricamente, tentando me colocar em contradição: “mas se você leu um livro pra dizer que ele é ruim, você se inclui aos leitores que critica, e se não leu, não pode falar mal daquilo que desconhece”. Para estes digo que não é preciso comer um prato de comida estragada para somente no final descobrir que ela vai fazer mal. Percebe-se isso muito antes, pelo cheiro. E qual seria o aroma dos livros e programas estragados? Fácil, o seu público! Se o diga-me o que lês ou o diga-me o que assistes que te direi quem és funciona, o inverso também vai funcionar. Diga-me que tipo de pessoas lê esse tipo de livro ou vêem esse tipo de novela que te direi como são estes livros e novelas. É uma espécie de análise psicológica da obra através de seus leitores. Não que os leitores sejam pessoas ruins, mas você consegue ver qual foi o público-alvo explorado pelo autor. Leitores de Crepúsculo, Paulo Coelho e outros possuem características comuns que os diferenciam dos demais. É claro que há um ou outro leitor-exceção, mas são exceções, não a regra.
Outra linha de argumentação fraca é virem com acusações do tipo “quem é você para criticar o autor fulano, que está ganhando zilhões com os livros dele?” e “você tem é inveja do sucesso dele”. Se fosse assim, ninguém poderia criticar um político ruim a não ser quem já fora político antes. Nem um médico. Nem qualquer outro profissional. Note que não é requisito ser um profissional da área para saber quando algo está errado. Mesmo para os mais leigos conseguem descobrir usando o método da comparação. Compare o best-seller com um livro que já resiste a 50, 100, 300 anos ou mais nas livrarias. São conhecidos como clássicos. Note as diferenças de escrita, de estilo, de preocupação não só em contar uma história ou passar uma emoção, mas em trabalhar a própria língua. É claro que não só escritores antigos fazem isso, mas muitos contemporâneos. O professor Affonso Romano Sant’anna diz que estes são os escritores, os profissionais da palavra, enquanto todo o resto é simplesmente autor. Um médico pode ser autor, um publicitário, um ex-presidente e até uma prostituta. Mas escritor de verdade, é aquele que trabalha a língua, que forma hai-kais no prato quando toma sopa de letrinhas, que lê uma quantidade de livros que pra ele é normal, mas pra maioria ao seu redor é algo espantoso.
Com os programas de televisão é a mesma coisa. Novelas, séries, filmes ou programas de auditório que não te fazem melhorar como pessoa, que não plantam uma dúvida na sua cabecinha, que não tocam o seu eu interior e já são esquecidos logo que sobem os créditos, entram na lista dos “só vejo para relaxar, por diversão, lazer”. Só que enquanto você relaxa e se diverte, sem perceber está bebendo algo que envenena a sua inteligência, mas que a mídia preparou tão bem que geralmente vem camuflado sob o seu sabor preferido. Novela sabor romance? Pois não. Filme sabor adrenalina? Pois não. Musical sabor erotismo? Pois não.
Há duas teses diferentes que tentam explicar porque tantos estão gostando cada vez mais do vulgar e imbecil. A primeira, levantada pelo Betinho no documentário A Revolução dos Idiotas (1992), é que existe um plano global para imbecilizar as pessoas. Desta forma, os principais programas em horários nobre e finais de semana e os livros mais vendidos são elaborados para fazerem as pessoas não pensarem ou para pensarem coisas idiotas. Tendo o tempo de lazer tomado por novelas, filmes e livros superficiais e imbecis, as pessoas não teriam tempo de buscarem conteúdos inteligentes ou de cultura. A teoria do sociólogo faz sentido se levarmos em conta que quanto mais ignorante o povo, mais fácil de enganá-lo. Seja o povo-eleitor, o povo-contribuinte ou povo-com-direitos. Enquanto os políticos fingem que fornecem boa educação pública, matriculam os seus filhos nos melhores colégios particulares que o povo nem sonha ter acesso. Enquanto as concessões de rádio e tevê não saem das mãos de poucos, os herdeiros das famílias detentoras são educados no exterior. Assim, a imbecilização das massas é uma estratégia política mundial de controle. Teoria da conspiração? Garanto que quem diz isso é justamente algum político ou graduado em Harvard.
A outra teoria veio do filme Idiocracy (2006), que mostra como as espécies mais aptas evoluíram até chegar ao homem. E daí começou uma desenvolução, pois como o homem não tinha mais predadores que ameaçassem a sua sobrevivência, não seria mais necessário ser o mais apto. Passaram a apostar as fichas no multiplicar-se cada vez mais para ganhar terreno os que mais procriam, isto é, os menos inteligentes. Enquanto casais inteligentes refletem sobre controle familiar e populacional e tem em média um ou dois filhos, os menos inteligentes têm seis, dez, vinte e três filhos. Em um simples cálculo exponencial, é fácil dizer quem vai dominar a terra no futuro, numericamente falando: os idiotas.
Se você teve a paciência de ler até aqui, quero que saiba que não pretendo mudar a cabeça dos que curtem Faustão, Gugu e Passione. Nem que não leiam Harry Potter ou Os Diários de uma Princesa. Apenas quero deixar claro que a vida traz muito mais que isso. Vai além. E quem descobrir vai ver que cultura e inteligência ultrapassam o gosto pessoal. Pois, apesar de cada um ser livre para ver o que quiser, ler o que quiser, beber o que quiser, inclusive veneno com sabor, todos somos obrigados a evoluirmos como espécie, sob o risco de amanhã não sabermos como reverter os problemas que causamos ao nosso planeta que poderiam ser resolvidos porque esquecemos de nos preocupar. Se nos importássemos com eles o mesmo tanto que nos importamos com novelas, Big Brother’s e Içami Tiba, já seria um bom começo.
Fonte: www.jefferson.blog.br
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